Sunday, August 12, 2007

Pai é um troço engraçado

Pai é um troço engraçado. Ao contrário da mãe, que berra quando está brava, chora e faz chantagem emocional quando está chateada, o pai não faz nada disso. Pelo menos o meu. Toda a expressão emocional do patriarca da família se resume a uma onomatopéia: “Hum”. “Hum” quando se sente contrariado com algum aviso ou pedido, “hum” quando se sente feliz com alguma realização dos filhos.

Demonstrar sentimentos é algo tão condenável, que poderia resultar em dez fins de semana seguidos levando mãe e filha para passear no shopping, como forma de auto-flagelamento. E para piorar, o Sr. Chiba tenta ainda confundir a gente com declarações contraditórias. Acontece, por exemplo, quando ganha um presente. Seria capaz de dizer a respeito da camisa que acabara de ganhar, que seria ela de boa serventia... para pular carnaval. Ou mesmo se ganhasse, de brincadeira por parte dos filhos, uma bengala, diria: “Agora sim, tenho alguma coisa com que dar na cabeça de vocês!”.

O pai, por essas e outras, me parece intocável e indestrutível. Tanto, que além de ser inspiração para os filhos homens, é também para a filha. E essa é a história de como comecei a me tornar meio mulher-homem.

Thursday, June 14, 2007

Patrimônio público. Atenção: entrada restrita

Em meio a uma discussão sobre reciclagem, palavra que nos jargões da arquitetura significa atribuir nova função a uma construção antiga, em um curso sobre patrimônio, uma estudante levantou-se, indignada, quando o professor citou a conversão do Hotel Aliança, histórico na cidade de Londrina, em um shopping popular. A moça reclamou que, ao invés de o espaço ser tomado por trabalhadores informais, ou camelôs, deveria ser o hotel histórico ocupado por funções mais “culturais”, tais quais teatros, museus e cinemas. O argumento da moça traduz-se na visão que nos é imposta pela história oficial, de que a memória de um local é a memória circunscrita a determinado grupo social, o de elite.


Quando ouvimos “patrimônio histórico” no Brasil, rapidamente remetemo-nos a construções exuberantes, localizadas nas grandes metrópoles do país: o Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, o Congresso Nacional, em Brasília, as belas igrejas barrocas de Ouro Preto, em Minas Gerais. E, por coincidência, essas mesmas construções tiveram o aval do governo para serem tombadas. Teatros, congressos, museus. “Cultura”, para a estudante acima, como se cultura fosse apenas o que se vê em locais assim. São, na verdade, locais inacessíveis para a maioria da população, legitimando a idéia de que o espaço histórico e cultural é um espaço de circulação e usufruto exclusivo da elite social.

“A História é uma forma de dominação política”, disse o professor de História da Universidade Filadélfia (Unifil), Leandro Magalhães, aquele que ministrava o curso de patrimônio, quando a garota se rebelou. “Por meio da História, é possível legitimar idéias, quando nos é imposto o que deve ser lembrado e o que não deve ser lembrado”, completou. De fato. Temos, no Brasil, a História dos jesuítas, que vieram da Europa catequizar índios e negros, a memória dos presidentes e governadores, a História dos desbravadores da terra paulista, ou seja, a memória dos vitoriosos, daqueles que detêm o poder, os dominantes políticos, concretizadas em construções tombadas pelo governo federal.

Iniciativa que veio a derrubar a idéia de história elitizada é a História Oral, validada principalmente pelo historiador britânico Edward Palmer Thompson. Partindo do princípio de que fontes históricas vão além de documentos, objetos e locais históricos, a História Oral usa pessoas comuns como fontes. Claro, sempre levando em conta detalhes que podem obstruir o caminho da informação, como falhas de memória, autopromoção, ou omissões. Mas usar pessoas comuns como fontes de informação histórica nos leva a várias versões do mesmo fato, e não uma dominante, o que corresponde quase a uma democracia na construção da memória. Ora, se pessoas comuns podem participar da construção da história, por que elas também não podem interagir com a memória concreta, no caso com construções históricas, de grande importância para um determinado local, e posteriormente tornar-se parte dessa memória?

O Hotel Aliança é uma construção planejada no estilo art déco e fica em um espaço geográfico importante historicamente para Londrina, na rua Benjamin Constant e nos arredores da praça Rocha Pombo, da antiga estação ferroviária, hoje Museu Histórico Padre Carlos Weiss, e da antiga estação rodoviária, atual Museu de Arte, todos patrimônios públicos tombados. As características originais da fachada do hotel foram mantidas, de acordo com determinação da prefeitura.


“Patrimônio histórico, tombado ou não, costuma ser um lugar de contemplação. E se há apenas contemplação, há distanciamento entre a população e o patrimônio”, argüiu o professor de história. A memória de uma cidade traduzida em construções históricas deve estar inteiramente associada aos moradores do local, ou reforça-se novamente a idéia de história de elite. Há que haver circulação da população por locais históricos, contribuindo até mesmo que eles se sintam parte da História local, e não excluídos, como propõem as versões oficiais. Camelôs, ambulantes, marreteiros, trabalhadores informais são nada mais, nada menos, que profissionais que têm o espaço público como local de trabalho. E se a preocupação da estudante da ocupação do Hotel Aliança por camelôs é com a venda de produtos piratas, “o fenômeno da ‘camelotagem’ é anterior ao fenômeno que se conhece como pirataria”, conforme explicou o pesquisador em Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), de Presidente Prudente, Ivanildo Dias Rodrigues, mas essa já é outra discussão. O fato é que estabelecer um shopping popular em um lugar histórico como o Hotel Aliança permite e incentiva a interação da população com a memória da cidade, formando um cenário contrastante ao olhar da estudante, harmônico e de resistência na visão dos historiadores.

Friday, March 30, 2007

O violino mais valioso do mundo

Instrumento de corda de som inigualável. O timbre agudo atravessa as entranhas e envolve o corpo todo, levando aqueles de ouvido mais aguçado a pensar que toda sua vida, naquele momento, segue o ritmo saído de uma pequena caixa de madeira...
Lorena tinha cara de mau-humorada. Os homens a chamavam de mulher-homem, e mantinham distância. Quando criança, pegava o violino de seu pai concertista escondido e aprendeu a tocá-lo sozinha, no porão da casa. Um dia, o pai, atrasado para o concerto, encontrou o instrumento nas mãos da menina. Pegou-lhe o arco da mão, com que surrou seu rosto. A violinista dos becos escuros e úmidos tinha cicatrizes na face, formando uma figura semelhante a uma teia de aranha. Mulher. Estava fadada aos fungos.
Ramón era exímio violinista, “mas tinha umas idéias estranhas na cabeça, assim como toda sua família”, comentavam os vizinhos. Quando a família desapareceu, deixando a casa com móveis e tudo, os vizinhos ficaram sabendo que o rapaz tocava para os generais do exército. Privilegiado pelo seu talento, e classificado como retardado por não dirigir uma só palavra a ninguém, era chamado para tocar em reuniões do poder. Comentou-se, na época, que Ramón liderou uma rebelião de prisioneiros do exército que quase causou um colapso na ditadura militar. Foi executado em seguida.
Seu Antônio tocou pela vida. Seja porque vivia pela música, seja porque precisava dela para viver. Aprendeu o ofício com o pai, em um violino velho que ele usava para tocar em quermesses. Preferiu Paganini. Tentou tocar o mestre em vários bares das proximidades, mas os freqüentadores reclamaram de sono ou depressão. Tocou “Asa Branca” todas as noites por algumas moedas, às vezes cerveja que, decepcionado, dava aos bebuns do lugar.
O bilionário Sam Willian Davis comprou, na casa de leilões Christie’s, um violino Stradivari datado de 1720, por 1,78 milhões de dólares. Guarda-o com muito cuidado em sua mansão, em um local reservado livre da luz do sol e da umidade. Passava em frente a ele todas as manhãs, parava, sorria, e tragava seu charuto, cujo aroma ficava impregnado no robe cor de vinho em seda. Parou de fazê-lo já há algum tempo. Mas de vez em quando, quando chama os amigos para um jantar, entrega o violino ao sobrinho de um dos colegas que, maravilhado, toca uma música qualquer. Enquanto isso, Davis conta para os convidados a fabulosa aventura de como adquiriu um dos violinos mais valiosos do mundo.

Monday, February 19, 2007


Aqui no Brasil, já sabe... Assisti a "Mais estranho que a ficção" (Stranger than fiction) esses dias atrás. Não que eu seja politicamente correta, mas não tenho paciência de baixar filmes na internet para vê-los antes da estréia. Além de mim, tinha apenas um cara (ou era mulher?) na sala de exibição. E olha que era o último dia em cartaz!
Não vi o final do filme (recebi uma ligação bem durante o clímax), mas ele me ajudou a me livrar um pouco mais do preconceito que tinha contra Will Ferrel. O primeiro filme que vi em que ele atua foi "A Feiticeira" (junto com o meu pai, que já conhecia a série; velhos adoram assistir e criticar refilmagens de clássicos). Nessa refilmagem, Ferrell recebeu duas indicações ao Framboesa de Ouro: de Pior Ator e de Pior Dupla, com Nicole Kidman. Pra completar, a maior parte de seus trabalhos está em séries americanas, mais um alvo fácil de críticas sem fundamentos.
A atenção ao meio ambiente é uma das formas mais eficazes de projetar o nome de um país no cenário internacional, diante da visibilidade e da importância crescente do tema ambiental.

Do site oficial do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.
Que bom que não somos hipócritas, né...

Sunday, February 04, 2007

Nomes trocados

“Escola é um nome muito pesado para carregarmos.”

Essa foi a frase que o presidente da escola de samba que mencionei no post anterior proferiu, fazendo uma crítica de sua própria escola. Como também já disse, ele quer fazer funcionar no lugar um projeto social de oficinas diversas, mas não encontra apoio.

“Suponha que você tem uma filha que quer aprender percussão e more aqui por perto. Logo você pensaria: ‘nossa, mas tem uma escola de samba aqui perto!’. Aí você chegaria aqui e teríamos que te dizer: ‘não, senhora, aqui não ensinamos nada’”. A palavra “escola”, nesse caso, fica meio deslocada...

Aí ele me lembrou que, se você notar, todas (ou quase todas) as escolas de samba dos grandes centros do carnaval brasileiro têm um ou vários projetos sociais. Isso funciona para eles como filantropia e também para gerar uma certa renda - com o dinheiro de produtos de oficinas de crochê, por exemplo - que serviria para pagar algumas despesas da escola.

Aqui não tem escola de samba. Aqui tem produção de festas carnavalescas, que duram dois dias.

Friday, February 02, 2007

Sambalelê com alfinetadas

Hoje, entre minhas entrevistas cotidianas para o serviço, um cara daqueles que digo sempre que quero ser quando crescer, sabe aqueles que não vão passar pela vida despercebidos (ou pelo menos não deveriam), conversou comigo. Era pra fazer uma matéria simples, do tipo "qualvaiserosamba-enredodasuaescolaequalasuaexpectativa?" Ele é presidente de uma escola de samba local que acabou de se elevar para o grupo A (que ridículo, na cidade só tem seis escolas disputando) em mais um daqueles conjuntos abandonados pela administração local. E achei incrível o que ele quer fazer com o desfile da escola dele: transformar em um tipo de "acorda povo!".

Há cinco anos o cara, que também é presidente da associação de moradores do bairro, mandou para a prefeitura um projeto que ele queria desenvolver por lá. Quatorze oficinas para oferecer para crianças e adolescentes em "idade de risco", como ele disse, para que, em contra-turno, eles pudessem aprender alguma coisa como costura, bordado, hip-hop, dança, padaria, percussão, musicalização e outros que não me lembro agora.

Dizem que o projeto passou por várias secretarias, mas ninguém ainda aprovou. Ele me disse que lá, entre a comunidade deles, tem oficineiros dispostos (desde 2002!) a colocar o projeto em prática e até um barracão onde as oficinas seriam ministradas. O que eles precisavam era de apoio financeiro para reformar o barracão e para algum material necessário.

E então o que ele vai fazer: colocar a escola de samba na avenida esse ano com todo o povo do projeto virtual. As alas vão sustentar o símbolo da escola e sugerir tudo aquilo o que o projeto poderia estar realizando, mas não está (ainda não tem como dizer que tipo de decoração vai ser porque o recurso para tanto ainda não veio e os planos ficam ainda meio indefinidos). Vai ter a ala dos oficineiros, a ala dos dançarinos (fazendo alusão à oficina de dança que o projeto ia ter)... “Vai ser para mostrar à opinião pública o que queremos fazer”, disse.

E quem disse que carnaval é só bundalelê?
Tem mais coisa que me chamou a atenção nesse cara, mas isso eu conto depois.