Thursday, June 14, 2007

Patrimônio público. Atenção: entrada restrita

Em meio a uma discussão sobre reciclagem, palavra que nos jargões da arquitetura significa atribuir nova função a uma construção antiga, em um curso sobre patrimônio, uma estudante levantou-se, indignada, quando o professor citou a conversão do Hotel Aliança, histórico na cidade de Londrina, em um shopping popular. A moça reclamou que, ao invés de o espaço ser tomado por trabalhadores informais, ou camelôs, deveria ser o hotel histórico ocupado por funções mais “culturais”, tais quais teatros, museus e cinemas. O argumento da moça traduz-se na visão que nos é imposta pela história oficial, de que a memória de um local é a memória circunscrita a determinado grupo social, o de elite.


Quando ouvimos “patrimônio histórico” no Brasil, rapidamente remetemo-nos a construções exuberantes, localizadas nas grandes metrópoles do país: o Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, o Congresso Nacional, em Brasília, as belas igrejas barrocas de Ouro Preto, em Minas Gerais. E, por coincidência, essas mesmas construções tiveram o aval do governo para serem tombadas. Teatros, congressos, museus. “Cultura”, para a estudante acima, como se cultura fosse apenas o que se vê em locais assim. São, na verdade, locais inacessíveis para a maioria da população, legitimando a idéia de que o espaço histórico e cultural é um espaço de circulação e usufruto exclusivo da elite social.

“A História é uma forma de dominação política”, disse o professor de História da Universidade Filadélfia (Unifil), Leandro Magalhães, aquele que ministrava o curso de patrimônio, quando a garota se rebelou. “Por meio da História, é possível legitimar idéias, quando nos é imposto o que deve ser lembrado e o que não deve ser lembrado”, completou. De fato. Temos, no Brasil, a História dos jesuítas, que vieram da Europa catequizar índios e negros, a memória dos presidentes e governadores, a História dos desbravadores da terra paulista, ou seja, a memória dos vitoriosos, daqueles que detêm o poder, os dominantes políticos, concretizadas em construções tombadas pelo governo federal.

Iniciativa que veio a derrubar a idéia de história elitizada é a História Oral, validada principalmente pelo historiador britânico Edward Palmer Thompson. Partindo do princípio de que fontes históricas vão além de documentos, objetos e locais históricos, a História Oral usa pessoas comuns como fontes. Claro, sempre levando em conta detalhes que podem obstruir o caminho da informação, como falhas de memória, autopromoção, ou omissões. Mas usar pessoas comuns como fontes de informação histórica nos leva a várias versões do mesmo fato, e não uma dominante, o que corresponde quase a uma democracia na construção da memória. Ora, se pessoas comuns podem participar da construção da história, por que elas também não podem interagir com a memória concreta, no caso com construções históricas, de grande importância para um determinado local, e posteriormente tornar-se parte dessa memória?

O Hotel Aliança é uma construção planejada no estilo art déco e fica em um espaço geográfico importante historicamente para Londrina, na rua Benjamin Constant e nos arredores da praça Rocha Pombo, da antiga estação ferroviária, hoje Museu Histórico Padre Carlos Weiss, e da antiga estação rodoviária, atual Museu de Arte, todos patrimônios públicos tombados. As características originais da fachada do hotel foram mantidas, de acordo com determinação da prefeitura.


“Patrimônio histórico, tombado ou não, costuma ser um lugar de contemplação. E se há apenas contemplação, há distanciamento entre a população e o patrimônio”, argüiu o professor de história. A memória de uma cidade traduzida em construções históricas deve estar inteiramente associada aos moradores do local, ou reforça-se novamente a idéia de história de elite. Há que haver circulação da população por locais históricos, contribuindo até mesmo que eles se sintam parte da História local, e não excluídos, como propõem as versões oficiais. Camelôs, ambulantes, marreteiros, trabalhadores informais são nada mais, nada menos, que profissionais que têm o espaço público como local de trabalho. E se a preocupação da estudante da ocupação do Hotel Aliança por camelôs é com a venda de produtos piratas, “o fenômeno da ‘camelotagem’ é anterior ao fenômeno que se conhece como pirataria”, conforme explicou o pesquisador em Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), de Presidente Prudente, Ivanildo Dias Rodrigues, mas essa já é outra discussão. O fato é que estabelecer um shopping popular em um lugar histórico como o Hotel Aliança permite e incentiva a interação da população com a memória da cidade, formando um cenário contrastante ao olhar da estudante, harmônico e de resistência na visão dos historiadores.

1 comment:

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